Acontece a todo o momento e à toda gente. Um dia somos surpreendidos por eles, de forma mais ou menos grotesca com resultados sempre danosos. São os nefastos “Usurpadores de Sonhos”.
Nessa sequencia de artigos comecei a divagar sinceras impressões acerca da relação homem e trabalho. À medida que eles foram e estão sendo escritos, vou amadurecendo pensamentos, ideias vão surgindo, temas e alguns casos vividos e/ou contados vou relatando. Assim, sem premeditar, é que vou seguindo, apenas conciliando elementos que amplie o raciocínio e que acrescente algo à esta relação.
Hoje relato um fato vivido por alguém, uma história que alguns já experimentaram.
Desta era virtual, estou em alerta, perplexa, com a nossa privacidade indo para o espaço “cibernético” e nós, ainda despreparados, quase ingênuos, sem nos dar conta dos perigos iminentes, ou melhor, que já estão acontecendo através de um olhar distante dos satélites, oferecendo velocidade na comunicação em troca de um preço que não sabemos ainda dimensionar.
Partindo do princípio básico da esfera humana, estamos em constante busca e, muito cruamente eu diria que buscamos dinheiro, sustento, segurança e prazeres( o que valida ainda a pirâmide de Maslow). Sendo assim, também sucintamente, o trabalho é o terreno de onde colhemos o “resultado”dessa busca e o dinheiro é o seu fruto. Privados dele saímos do mundo real e ficamos abstraídos, abduzidos, quando não, famintos.
Quem já passou ou está passando pela experiência do desemprego, justa ou injustamente, já sentiu na pele o que estou falando. Uma sensação ímpar de deslocamento, não pertencimento, impotência, fragilidade que remete à uma forçada e dolorosa incursão no subconsciente e envolve emoções, sentimentos contraditórios, culpa, revolta, reflexões constantes do “onde foi que errei” ou de não ser compreendido ou valorizado. Uma confusão mental cruel em que, na verdade, a personalidade, a sorte, as escolhas, as influências, a realidade e tantas outras possibilidades podem ser as causas. Dependendo do tempo e do suporte que se tem à sua volta, são momentos graduados em menos ou mais desesperadores. A boa notícia é que, de modo geral, de algum modo, a natureza humana sempre responde e reage favoravelmente.
Quando estamos jogados nesse oceano obscuro, sós, qualquer mão, qualquer toco de madeira boiando, ou uma luz num nevoeiro é uma chance de salvação.
Pois bem, eis que, neste cenário, repentinamente, surge algo improvável. À sua frente, ao invés de apenas um toco de madeira, um grande iate acena. Um sonho, uma miragem! e não pára por aí, embarcado e “salvo” vemos à nossa frente, uma ilha paradisíaca como destino. Pessoas lindas, sorridentes, cercadas de luxo e de alegria aguardam com entusiamo… É mais do que um filme, é um sonho! Possível? até que é, por que não? Afinal, tudo é possível, ou não?
Estávamos em busca da salvação, da sobrevivência, de um toco. Desempregados, desesperados, já havíamos enviado sinais de socorro para todo lado. Todos os veículos e formas possíveis em que pudessem nos encontrar, esticar as mãos e nos escolher. Através de nosso currículos, moldamos as mensagens, fizemos com que se tornassem mais atraentes, seguimos os manuais de salvação. Investimos nossos últimos recursos, reinventamos passagens, criamos novas ferramentas, até mudamos a direção, mesmo que contrariando a nossa bússola interna, mas fizemos todo o possível para nos manter vivos.
Após longa espera de uma resposta de emprego e algumas aproximações frustadas, com entrevistas vazias, um belo dia recebemos um e-mail espetacular de uma empresa de renome internacional que, em algum momento, depois de tantas candidaturas talvez nem mais lembramos, enviamos um currículo. É uma proposta de
trabalho no exterior, primeiro mundo! Passagem paga, contrato de cinco anos e todos os benefícios de um paraíso. Nossa mísera perspectiva de salário nacional se converte em ouro puro num salto quântico inimaginável. Nos e-mails informações detalhadas e algumas exigências preliminares.
Daí, uma fadinha vestida de verde saindo de um castelo em que saem fogos de artifícios ao fundo, aponta uma varinha para você e uma estrela aparece!
Quem acredita? talvez nem todos, somente tolos? ou aqueles que ainda Se acreditam. Que sonham e que sabem que um dia seu momento iria chegar? Esses respondem ao e-mail. Passam as informações solicitadas com genuíno sentimento de estarem sendo recompensados após tanta luta e sofrimento, perdidos, sem ninguém lhes enxergar. Passadas algumas semanas, recebem a confirmação também por e-mail de que as questões iniciais, entrevistas escritas, formulários e tal foram todos aprovados. Anexado, já vem um contrato. O remetente é o responsável pelo RH da conceituada empresa que passa então a dar orientações acerca dos papéis necessários para a contratação. Eles se responsabilizam por tudo, viagens, hospedagens, etc, mas para não correrem riscos de desistência, quanto ao visto e outros documentos do consulado é o próprio contratado que deve providenciar, mas tudo isso com a promessa de ressarcimento assim que chegar ao país. Um pouco duvidoso, pesquisa-se nos sites de profissionais a existência das figuras… e elas existem! trabalham mesmo na empresa e ocupam os tais cargos. Como um divisor de águas, a partir daí começa-se a vivenciar momentos de glória, planos são traçados, mudanças, a grande reviravolta é idealizada, o prazer de mostrar ao mundo que lhe negou tantas chances de apoio que seu potencial desdenhado estava lá e eles são cegos! Em contrapartida, mentalmente, analisa também colocar as dívidas que acumulara em dia e a possibilidade de ajudar àqueles que estiveram ao seu lado…
Os mais críticos até param no meio do caminho e despertaram para os sábios conselhos do mundo e de sua própria consciência: “quando a esmola é demais, até os santos desconfiam” “mas porque vieram de tão longe me buscar com tantos se afogando ali em torno?”, mas outros vão até o fim. Investem, se jogam, como crianças em uma fábrica de chocolate, aceitam as condições, passam adiante a euforia, pedem emprestado, vendem o que possuem. Eles só tem que fazer o esforço inicial, nadar até a corda do iate… e, buscando com todas as forças que ainda lhe restam, dar as últimas braçadas, usando o seu último fôlego, já tão próximos, tão breve chegarão. Está chegando, está bem próximo… chegando…
chegam… abrem os olhos, e num instante…tudo desapareceu! o iate, a ilha, as pessoas, o encanto, o sonho…! Num passe de mágica aterrorizante, piratas fantasmas, sanguinários, usurpadores e sem alma, invadem sua paz e sua alma e aí se descobre que tudo não passava de uma fraude!
O que fazer? quem são? de onde surgiram? onde buscar a justiça? o dinheiro que investi? como encarar a vergonha?
Esses piratas existem. São “fakes” internacionais que estão navegando pela internet. Perigosos usurpadores de sonhos que lançam suas armadilhas em sites de emprego por toda parte (que por sua vez, não tem nenhum critério de triagem) e, mediante o que vêem nos currículos ali expostos, com muitas informações, lançam suas armas e destroem pessoas frágeis e desesperadas por algum socorro.
Sem fronteiras resguardadas, eles estão livres.
Que sirva de alerta para todos, principalmente para aqueles que ainda são capazes de sonhar, o que é uma grande injustiça, pois deles o mundo precisa bem mais do que se imagina.