Se pode ser considerado menor, não será necessariamente por sua qualidade relativa, mas tão somente pelo formato. E é exatamente assim que se afirmou a crônica à partir do Século XX no meio literário. Como uma arte em ‘gênero menor”.
A Crônica ensaiou seus primeiros passos em meados do século XIX com algumas de suas peculiares características ainda infantis. Em folhetins, nos rodapés das páginas, inspiradas nos jornais franceses, as crônicas retratavam o cenário e os costumes da sociedade da época, sem muita ordem ou compromisso, servindo apenas como entretenimento. Entretanto, para caminhar, a crônica teve que pisar com os seus pés descalços na terra vermelha de brasilina e precisou romper as barreiras e se adequar ao Novo Mundo.
Nosso autores brincavam por essas terras com a Crônica, assim fez José de Alencar, desde sua infância e, abraçando-a mais tarde, na sua puberdade. Conferiu-lhe a curiosidade romântica e a sensibilidade inerentes àquela idade. Por isso, caminhou livremente ora escrevendo pela monarquia, ora na política, ora entre donzelas, prostitutas, senhores e escravos. Seu polêmico folhetim ‘Correr da Pena’ era o perambular de um moleque ‘sabido’, agudo na sua origem elitista chamuscada na poça do sangue de um nativo brasileiro.
Machado de Assis veio logo depois e trouxe à Crônica estratégica, a imprevisibilidade, a arma perfeita em que o ‘equívoco’, alimento da ironia, delicia a alma humana e garante a busca pela sagacidade.
Com a Proclamação da República e os escravos libertos veio a guerra sanguinária contra os paraguaios, o mal que uniu a população. O século XX se inicia assim, sob uma nova áurea de otimismo e nacionalismo, rico de histórias, ideais e compromisso com a modernidade. A crônica tem agora um narrador nativo, maduro. O seu espelho reflete uma imagem mais popular, menos elitista, cujo modelo não vem mais do estrangeiro. Os personagens, muitas vezes folclóricos, nascem das histórias simples e reais do povo brasileiro.
A partir daí, a crônica adquire a liberdade de seguir os variados destinos e se torna atemporal, adquire a face de seus autores e não tem mais idade. São trajetórias traçadas segundo a vivência e olhar de cada autor.
- João do Rio, usa a realidade dos fatos e se inaugura na crônica jornalística. O cronista descreve e revela tudo que estava escondido, recebendo a alcunha da sociedade da época de ‘maldito‘;
- Lima Barreto, um crítico contundente da hipocrisia na sociedade recebe, em troca, o castigo de ser mal compreendido, sucumbe ao fracasso de público e ao alcoolismo;
- Cecília Meireles, jornalista e educadora acrescenta muito à essa área;
- Rubem Braga, com seu humor corrosivo, usou de sua simplicidade como fórmula para viver sua solidão;
- Carlos Drummond dá asas à sua linguagem poética e não se importa com o ‘metro fixo‘. Se consagra um poeta atemporal e absoluto, humanista por natureza…
A lista de autores é grande nesse período, não consigo trazer todos para cá, mas este século trouxe ao Brasil através da crônica brasileira a expressão de seu povo.
A partir da segunda metade do Século XX, até os dias de hoje, a crônica passou por transformações significativas em seus meios de comunicação. Na era da tecnologia virtual, dos recursos audiovisuais e da internet seus autores se dispersaram.
Já seus amantes, em que me incluo nesse caso, arriscam reviver a alcunha de cronista já que o espaço é livre e, por isso apropriado para o voluntariado que nada depende, sequer de alimento, para a perpetuar a história.
E com o mundo de hoje, alimento não falta…
Kawer
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