Estamos e estaremos sempre evoluindo de alguma forma, mesmo equivocados em ângulo e/ou direção. Em algum momento tomamos algum rumo. É humano. Mas seguramente a ciência tecnológica surpreendeu e superou em muito a nossa velocidade nessa corrida, o que nos faz parecer estarmos bem parados. Talvez por isso seja tão comentado o mau uso que fazemos desse fantástico instrumento da ciência tecnológica que, no final das contas, acabamos por fazer o papel de vilã sozinha.
No processo evolutivo entre a ciência e o homem o que pode dar errado? Por que não correm em paralelo, ou até, se fôssemos pela lógica, entre o criador e a criatura, por que não estamos nós em condições de superioridade ou antecipados? Na verdade já vimos em algumas ficções resultados semelhantes à esse descompasso. A criatura imbuída de conteúdo cujo efeito passa a ser não mais dominável, se rebela, toma as rédeas do criador e além de tudo passa a dominá-lo.
A lógica sozinha talvez não consiga responder essa questão, talvez se avançássemos um pouco para além da mente conseguiríamos entender melhor, mas como não evoluímos ainda o suficiente, partiremos do princípio básico de que a culpa será obviamente sempre do criador, afinal, nada se constrói sozinho.
Por que então a reversão do domínio? O que poderia tê-la contido? Temos como criadores da ciência tecnológica, uma enorme vantagem que não soubemos proteger ou aprimorar. Uma matéria original cujos elementos diferem do objeto criado e que por si só, é tão verdadeira quanto complexa. O multidimensional e mágico sistema da natureza humana. Uma poderosíssima “arma” que deveria ter sido sempre afiada contra qualquer tentativa de domínio contrário à ela.
Mas hoje debatemos sobre os malefícios da tecnologia em nossa sociedade que aparentemente deixou-se dominar pela criatura.
Efetivamente nossa sociedade está literalmente enfiada na tecnologia a maior parte de seu tempo. O que me força perguntar: “Mas por que? O que fez com que nosso sistema interno rico, profundo, mágico, nosso potencial humano, nossa arma secreta, perdesse seu valor?” Por que estamos tão engajados em comprar, usar e abusar da tecnologia com tantas horas de dedicação, transformando nossas casas em teias de fios plugados que nos prendem quando poderíamos nos sentir plenos o suficiente para termos maior liberdade e jamais sermos novamente dominados pela “máquina”?
O abuso do uso da tecnologia, que tanta preocupação tem nos causado, não tem que jogar a culpa apenas no objeto usado. É como se fôssemos culpar os fabricantes de armas quando a violência e o ódio do homem é que as aciona. Tendo em vista os resultados da insatisfação humana, a indústria virtual e tecnológica, como qualquer outra indústria, responde às “necessidades” do cliente sejam elas de cunho positivo ou negativo. Ou seja, “- Se você não tem nada melhor para fazer, se não está feliz, se quer passar o dia ocupado daremos aquilo que você precisa… você nem sentirá o tempo passar! você já não precisa sequer ir à algum lugar. O seu tempo e até sua vida, se assim você quiser, serão perfeitamente ocupados e preenchidos num infindável, profundo mergulho no mundo virtual”.
Apelos tentadores, como são as drogas para os infelizes, as armas para os violentos, a tecnologia virtual gerou satisfação para os insatisfeitos.
Qualquer indústria que construa suas bases em uma sociedade fraca, doente, produz o seu vício. A necessidade passa a ser apenas o que ela deseja, independente do resultado.
É importante deixar claro que a comparação feita entre a tecnologia virtual e as armas e drogas diz respeito somente ao efeito negativo gerado a partir de alguma mazela humana. Mas ao contrário das armas e das drogas que nunca nada trouxeram de bom, a tecnologia nos trouxe avanços bem vindos e estupendos para a nossa sociedade e para o mundo e temos que ser à ela eternamente gratos. A tecnologia possibilitou uma comunicação global que diminuiu distâncias… e gratuitamente, aproximou pessoas, desvendou mistérios, desmascarou dramas, revelou descobertas que nunca nos teriam informado e muito auxilia na saúde, nos estudos, na formação profissional e até em nossas vidas privadas. Portanto, a tecnologia virtual possui uma vertente extremamente positiva e seria injusto posicioná-la de igual para igual aos outros elementos que só nos trouxeram destruição e negatividade. O que nos falta, nesse caso é a melhoria de nossa qualidade de vida humana para que possamos usufruir da forma mais saudável dessa preciosa ferramenta.
A tecnologia está diluída em todos os espaços de nossas vidas, mas é no âmbito profissional que a sua contribuição foi além de tudo, ecologicamente correta (não utilizamos tantos papéis como antes, poluindo nossas vistas e desmatando nossas árvores), mas em contrapartida, vemos um crescimento desordenado e mal conjugado da qualidade de vida humana. As empresas estão sendo obrigadas a acompanhar um ritmo frenético da evolução tecnológica para que possam dar conta da competição do mercado. Nessa correria desenfreada, estão sempre trocando pessoas, equipamentos, programas, sistemas. O trabalhador passa a ter cada vez menos segurança e mais desgaste mental o que lhe afasta ainda mais de sua força energética natural. Isso tudo porque a sua estabilidade no emprego está “pendurada” em tempo integral a um esforço contínuo para acompanhar e evitar ser “trocado” pela sua empresas. O descarte de conhecimentos apreendidos ontem e que hoje são obsoletos, promovem uma interminável corrida por especializações, treinamentos, coachings, consultorias e outras ferramentas para sanar o problema de adequação. O tempo tornou-se cada vez mais escasso. Quando pensamos na atrocidade das horas trabalhadas na era Chaplin não poderíamos imaginar que, após tanto avanço, continuaríamos comprometendo nossas horas com o trabalho.
Exaustos, sem perspectiva de sair dessa rotina, os fins de semana passam a ser cada vez mais caseiros. No cansaço, o silêncio e o isolamento fazem com que a internet surja mais uma vez, mas agora como um paliativo. Os filhos, com dificuldade de comunicação com seus pais partem para o mesmo caminho, o virtual, fechando assim o ciclo vicioso de uma sociedade insatisfeita e que utiliza negativamente a tecnologia, que tanto nos poderia trazer de benefício.
As empresas optam por mudanças, muitas vezes, mais por modismo do que realmente por uma estratégia de desenvolvimento. Por isso acredito que este ponto seja interessante para análise podendo contribuir para se encontrar um meio de erradicar parte da insatisfação da sociedade e portanto dos seus vícios. As empresas precisam rever seus processos internos de mudanças conciliando-os com decisões menos fugazes e mais estratégicas, pensando com mais humanismo na sua relação com seus funcionários e enxergar as suas limitações. Perceber que uma melhor qualidade de vida reflete muito mais na produtividade da empresa do que novas tecnologias que muitas vezes alteram só o formato. Os tais modismos. Com certeza isto traria, por consequência, novos valores para a sociedade e a garantia de preservar o seu domínio.