A Cozinha: O Talher da Cultura

Nascemos com a incumbência de nos alimentar, mantendo nossos corpos firmes enquanto atravessamos o tempo que nos é destinado viver, pois é obrigatório não abreviá-lo. O alimento tem, por isso mesmo, uma essência vital. Mas nossa relação com o que ingerimos vai muito além de um simples ato de sobrevivência. Ela dita extraordinários nuances de domínio de nós mesmos e do que desejamos.

Da alimentação calorosa do seio materno, que assegura um princípio igualitário para todos,  seguimos por caminhos que muitas vezes não escolhemos, distintos pela formação social, econômica e cultural em que estamos inseridos.

                                               o aleitamento 2 Frida Kahlo

Temos hoje disponível uma diversificada gama de alimentos além de um grande arsenal de serviços girando ao seu redor. Um mundo que se tornou não sustentável tamanha é a voracidade em que transformou uma fonte limpa, de energia latente em apenas uma fonte de riqueza e um grande negócio. A alimentação foi, com o tempo, sendo covardemente adulterada à bel prazer dos investimentos de consumo esquecendo-se de manter o seu ecossistema e sua perfeita harmonia.

Li recentemente um artigo interessante em um Blog sobre Cultura Gastronômica onde cita Sophie Bessis, uma famosa historiadora tunisiana, que declara:

“Diz-me o que comes e direi que Deus adoras, sob qual latitude vives, de qual cultura nasceste, e em qual grupo social te incluis.”

cultura da cozinha 2

Dita que a personalidade, não só individual, mas também aquela coletiva, social, cultural e até religiosa, define-se numa simples escolha do alimento e no ato de se alimentar. Sua história sistêmica é a derivação de um conjunto de influências, desde sociais, econômicas, climáticas, culturais, religiosas e até casuais, flagradas em todas as etapas do processo. Da forma em que se cultiva o alimento à sua origem e extração, ao comércio e seu manuseio, do preparo à sua simbologia, sua presença à mesa, sua oferenda até o ato de o receber dentro do corpo. Nesse contexto,  carrega histórias de pessoas e experiências atuais ou já vividas, lembradas de gerações em gerações, por vezes até inventadas e que viraram lendas, ou as que não ficaram, foram simplesmente esquecidas ou totalmente negadas, dos povos banidos por guerras ou extermínios, ou ainda dos que vieram em substituição trazendo novas histórias, ou que ainda chegarão, num movimento contínuo, dinâmico, passando ou ficando, não importa quanto, mas que de algum modo, em algum momento deixam na cozinha um talher cultural de sua herança.

                                          cozinha 4 Morgan Weisting

É de suma importância levar à todos aqueles que trabalham nesse circuito dinâmico e historicamente rico e vasto a sã consciência da sua importância, da  missão real que ela contém. Do fator transformador que este ramo, que até pode ser chamado de negócios, fortemente influencia a história e a humanidade.

                                          Cozinha 10 Francois Emile Barraud 1933

Quando lhes disserem que carregar uma bandeja, ou preparar um prato, na mais singela birosca da esquina é decadente e insípido… ironizem, rejeitem a depreciação. Interiorizem, com todas as provas de que a história confirma, que você tem, em verdade, em mãos, uma ferramenta poderosa e transformadora da sociedade.

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18 comentários em “A Cozinha: O Talher da Cultura”

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