A Carioca do João Felipe

A CARIOCA DO JOÃO FELIPE

Saio do Metrô no horário de rush e outros passageiros descem comigo, todos apressados, a grande maioria vai rumo à mais uma jornada de trabalho. A estação está sempre bem movimentada e é conhecida, merecidamente,  pelo nome do Largo que a batiza, de ” A Carioca”, próximo ao Mosteiro de Santo Antônio, lugar de muitas histórias.

Apesar da multidão, as pessoas seguem em silêncio à passos largos para chegarem ao trabalho ou de retorno às suas casas. Quase sempre estão com uma aparência cansada ou estressada pela balbúrdia do bairro agitado ou dos seus próprios pensamentos fundidos em problemas à resolver.  Até que de um canto começamos a ouvir uma voz sonora em meio à este cenário. Ao seguir o som deparamos com um funcionário alto, de bom porte, impecável uniforme, sorriso marcante, largo e expressivo cumprimentando à todos!

-“Bom dia! Bom trabalho”, “Boa noite! Bom descanso!””Como vai o senhor tudo bem?” “e a senhora?”

Incessantemente sua voz forte arrasta um cumprimento coletivo. Algumas pessoas, que já o conhecem param para dar um abraço ou fazer um cumprimento mais demorado, outras só sorriem num gesto de retribuição, mas também há aquelas que continuam passando velozes sem perceber ou olhar para o funcionário. Próximo à roleta dos velhinhos, é onde o podemos encontrar. E é lá onde a conversa se prolonga e passa a ser mais familiar. “Olá Jovem! tá elegante hoje!” e o velhote vaidoso ajusta o casaco no corpo, respondendo em seguida com um agradecimento e um aperto de mãos.

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Não há como não ficar curioso em saber como, em meio à tantas cabeças passando depressa pela sua frente, surgiu a coragem ou estímulo para interromper aquele movimento quase hipnótico, compulsivo, de ida e vinda do trabalho. Afinal, é um “Bom dia” esfuziante! Parei para conversar com ele. O seu nome é João Felipe, que inspirado ou não, responde à minha curiosidade “tenho a sensação de que esse cumprimento diário aproxima, familiariza de alguma forma as pessoas que passam por aqui. Comecei a observar que ninguém mais se cumprimenta e eu não fui criado assim”.  Achei interessante e como devia mesmo passar por lá em horários diversos, pude reparar que seu cumprimento é ininterrupto, ao sairmos da estação, ele continua ali, saudando os atrasados, deslocados ou alternativos com a mesma postura, sempre o mesmo. Ergue-se do seu banquinho, quase sempre se coloca de pé, auxiliando os idosos ou a quem mais pedir, brincando com eles ou puxando conversa, mas sem tirar os olhos da segurança e dos compromissos da função.

” Qual o segredo da sua motivação?” perguntei num outro dia após ver que o quadro não se modificava. Calmamente, sorriso largo, só respondeu: ” – Vocês!”

Não desperdiçou palavras, nem se envaideceu o que me despertou mais ainda a vontade de saber a fonte de uma relação tão saudável com seu trabalho  e com as pessoas. À partir daí, decidi por em prática uma ideia incubada de reservar um espaço para os trabalhadores anônimos que, assim como ele, fazem de sua tarefa aparentemente “corriqueira” em algo diferenciado, de um ambiente carregado de tensão e pouca luz do sol, num clima de energia boa, desconcentrando o óbvio, transformando a rotina numa diversão, o cansaço numa missão e a alegria na sua maior recompensa.

Decidida, fui além, e perguntei se o poderia filmar. Ele assentiu e agradeceu, sempre sorrindo. Percebi ao longo de nossas conversas que A MOTIVAÇÃO, como já desconfiara, não lhe foi dada ou ensinada com técnicas ou jogos interativos e dinâmicas, nada além de uma boa educação familiar que ele deseja passar para seus filhos.

A motivação é  pessoal, apreendida individualmente e se relaciona com a sabedoria.

É uma escolha. 

Não vem de fora, não diz respeito à crença ou intenção. Não varia. É um caminho certo que poucos de nós resolvemos trilhar em nosso dia a dia. Um caminho escondido, difícil mesmo de ser encontrado da forma como perdidos estamos em meio à distrações e pensamentos à todo instante. É uma fonte de energia inesgotável, pura água cristalina que não se incomoda com os dejetos e a poluição lançados pelos maus, invejosos ou qualquer natureza errônea. Filtrando, se retroalimenta, se fortifica e se mantém ilesa.

O João Felipe trabalha há três anos no Metrô da Carioca, sua fonte é viva, sua intenção é nenhuma, seu diferencial é evidente, sua ação o caracteriza.

João Felipe é o nosso PRIMEIRO TALENTO ANÔNIMO deste Blog.

 

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