Sabedoria de Esquina: Episódio 3 – Conversa consigo

Não há nada de errado em conversar com você mesmo, até mesmo em voz alta…

Fiz isso a vida toda. Vida que ainda corre junto a esse relógio de pulso que só tiro para dormir. As duas perninhas finas como agulha, desproporcionais em comprimento, caminham cada vez mais rápido. Fico só aqui monitorando, de vez em quando, pelo visor, principalmente a mais comprida, que é danada de rápida e quase sempre me assusta.

Acho que deve ser triste quem só usa celular ou aquele relógio de números grandes, o digital, para ver as horas. Perde com certeza o controle dos batimentos harmônicos, naturais, da vida real caminhando com suas próprias pernas sobre as veias do seu pulso.

Assim como também é real essa coisa de conversar consigo mesma. Quando pequena, ou melhor, até jovem, quer dizer, já quase adulta, porque não confessar (?), dava grande vazão à essa coisa de conversar sozinha às vezes. Chegava até a me colocar no cenário propício, fictício. Era uma transmissão direta do canal aberto para a imaginação que mesclava conversa reflexiva com realização de desejos.

Mas aos poucos essas conversas foram perdendo intensidade emocional, assim como frequência. Não sei quem vem na frente como causa ou consequência, mas fato é que as conversas foram aos poucos ficando desenxabidas e, hoje, são raras. Já encontro dificuldade para endereçar a palavra, dar um conselho, ou imaginar sonhos impossíveis se realizarem para mim mesma.  

Houve outras boas razões para essas conversas rarearem também. Uma é para que ela não se tornasse um hábito e que, na idade adulta e sênior, pudesse vir a ser atribuída à loucura. Outra, porque com o tempo vamos nos desprendendo naturalmente dessas coisas corriqueiras do dia a dia. Vamos resolvendo tudo assim, sem muita conversa, reflexão, nos norteando mais pela experiência, usando mais a lembranças das conversas passadas do que criando novas celeumas.

O volume e o tom da conversa também foi ficando cada vez mais baixo, silencioso, a ponto de só ser percebido, pelo próprio ouvido, que, por sua vez, está mais desatento ao debate entre o raciocínio e o pensamento.

Mas não se iludam pois, que conversa espetaculosa e sozinha não morre totalmente. Dará sempre seu ar de graça, a graça impregnada de infantilidade, que não faz mal a ninguém, muito pelo contrário, só nos permite sonhar e não envelhecer tão rápido. Eu, particularmente, vejo a prática quase como uma terapia, seja em voz alta ou em silêncio, por isso, a aconselho firmemente aos que estão lendo.

Então, esse terceiro episódio da Sabedoria de Esquina homenageia o encontro entre você, consigo mesmo. Ou melhor, entre situações e nós, nelas, nos vendo, tentando resolver do nosso jeito.

Quer queiram, quer não, digam o que quiserem, que não são loucos, que nunca fizeram isso, mas fato é que esse encontro é inevitável, e saudável. Não dá para viver no mesmo lugar sem dar de cara com o vizinho que quase não vemos porque a porta está sempre fechada. Esse tipo de coisa assim, trancada, é um perigo.

E o que se aprende nesse encontro é que isso faz parte do autoconhecimento, travar esse papo, sentar ali, ou em qualquer outra esquina, naquela mesinha quadrada, puxar uma cadeira e conversar sobre tudo,

sobretudo,

consigo mesmo.

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