A Régua dos Manipuladores

Narciso, o mais belo mito,
foi amaldiçoado:
“jamais olhe sua imagem!’ lhe disseram,
pois, se assim o fizesse,
ele se perderia na vaidade


Mas Narciso era tão amado, desejado,
que um dia quis ver seu rosto no lago
e por ele se apaixonou,
de tal forma que,
preso para sempre à sua imagem,
nunca mais conseguiu se soltar,
e ali mesmo, definhou.

Foi bem no final do Séc.XIX. 1899, que o mito da vaidade extrema foi trazido para o discurso psicanalítico dando origem ao NARCISISMO, empregado na época para designar um comportamento perverso, uma forma de fetichismo, que consistiria em tornar a pessoa seu próprio objeto sexual, não só através de particularidades de seu corpo, mas também dos objetos que lhe pertenciam.

No entanto, o narcisismo evoluiu com a humanidade. O Narciso de outrora era apenas um ser apaixonado por sua própria imagem, desprezando o amor da ninfa Eco. Já o narcisismo, como transtorno, tem bem mais que uma simples vaidade, acrescentou-se a ele a manipulação e a maldade. Mas será que a pessoa já nasce assim? O que é e como detectar o narcisismo em alguém?

Certa vez, ouvi a explicação de uma especialista que me pareceu o modo mais simples de entender como nascem os narcisistas, mas, também, os submissos (já que em todo o côncavo encontramos o convexo). E eu quero repassar isso, mas do meu jeito:

Imaginemos uma régua de 10cm, o meio chamaremos de ponto neutro. Deste ponto para a esquerda, temos a área dos submissos e para a direita a área do narcisismo

Mesmo trazendo uma bagagem genética, todos nós temos um ‘salvo conduto’ e partimos naturalmente do ponto central (salvo se não houver uma patologia). Um ponto neutro é onde deveríamos permanecer, com uma pequena ‘margem de manobra’ de uns decímetros pra um lado e outro, afinal, errar é humano.

A Terra é bela, mas é também cheia de pedras, buracos, desvios, tombos, tropeços e indivíduos que, cada um na sua trajetória, vai tentando sobreviver, caminhando um pouco mais para esquerda, outra hora para direita na régua. É até compreensível, mas fato é que, em muitos casos, a luta começa bem cedo, desde a primeira infância. Aí é que mora o grande perigo. É justo nessa fase, quando estamos ainda engatinhando que tudo entra no ‘automático’, nada é consciente, por isso, quando o desvio vem da infância, muitas vezes fica difícil lembrar o caminho de volta, aliás, há casos em que a pessoa nem tem consciência que existe um outro caminho”.

Muitos podem até se esquivar com um “- Ah, f… não sou perfeito, e daí?!” Daí, meu irmão, que você definhará como Narciso, pois essa é a nossa maldição: Não podemos nos afastar, pelo menos não muito, da sensatez, do ponto do equilíbrio. Se perdermos o controle e não tivermos as rédeas nas mãos, simplesmente perde-se a noção dos limites e o caminho torna-se doentio, sem volta!…

Nomeei os ‘perfis’ para facilitar a memorização:

PONTO 5 – O SÁBIO

O ponto do equilíbrio, o ‘5‘ representa aquele indivíduo vaidoso, mas ao mesmo tempo humilde, sábio. Um ser que se valoriza e respeita, mas reconhece suas falhas, seus erros, pede desculpas e segue aprendendo, sempre aprendendo. Um ser que deseja para si o mesmo que deseja para o outro, não julga, planta e semeia alegria e empatia”.

Agora, caminhando para a esquerda, na zona dos submissos…

PONTO 4 -‘O ZERO À ESQUERDA’

É o primeiro ponto à esquerda ao do equilíbrio, na zona dos submissos. O ‘4’, que eu chamo de ‘zero à esquerda’ é aquele submisso discreto que apenas desconectou-se dele mesmo, um sujeito evasivo. Não se posiciona, é inseguro, fica ali, confortável, em ‘cima do muro’, esperando sempre que os outros decidam por ele. Poderíamos facilmente o reconhecer como aquela pessoa indecifrável que você nunca sabe o que ela está pensando e é muito provável que nem ela própria saiba.

PONTO 2 – ‘DOIS POR UM’

Caminhando mais um pouco para a esquerda, no ponto ‘2′ da régua, encontramos o submisso de grau médio. Pense em uma pessoa carente! Não a do tipo que sente falta de alguém, falo de APEGO mesmo! Batizei de ‘dois por um‘ pois essa pessoa, pra si, não se basta. É um indivíduo aferrado de tal forma ao outro que se torna um submisso dependente. Ele fará de ‘um tudo’ para não perder o outro, desde chantagem emocional à auto sabotagem (do tipo, aceitar qualquer coisa, até desprezo e maus tratos) O resultado é um ser desesperado, um destemperado, que suscita raiva e pena ao mesmo tempo. Seu mundo e mais ou menos como aquela música do Chico:

"... e me arrastei e te arranhei, e me agarrei nos teus cabelos, nos teus pelos, teu pijama, nos teus pés, ao pé da cama...sem carinho, sem coberta, no tapete atrás da porta, reclamei baixinho, dei pra maldizer o nosso lar, pra sujar teu nome, te humilhar, e me vingar a qualquer preço, te adorando pelo avesso..."

PONTO 0 – ‘A BOLHA’

Agora vamos direto ao ponto ‘0‘ o mais grave nível dos submissos, um caso já patológico, só volta com tratamento. Um ser de difícil convívio, não consegue se relacionar com o outro, pois ele não confia em ninguém, exceto se o outro conseguir provar 24h p/ dia, 60 minutos p/ 60 segundos que o ama, aliás não basta, pois também tem que provar que SÓ ama a ele! Tarefa, digamos, humanamente impossível, além de ineficaz, pois mesmo que o outro acredite que conseguiu provar, nunca será o suficiente para esse submisso. Por isso normalmente, ele acaba se isolando, preso em uma bolha, fria e distante, o ‘0’ se alimenta de sua psicose e vitimismo, até chegar ao limite da paranoia, de um ‘borderline’, por exemplo, que só se distingue deste ponto por ter sentimentos exacerbados e constantes ideias de suicídio.

Passemos ao outro lado da régua, à zona do narcisismo…

PONTO 6 – ‘O BELO MITO’

Aqui está Narciso, o belo mito, no ‘6′. E, tal como ele, aqui se situa aquele indivíduo de exacerbada vaidade, que fala muito de seus feitos e posses, de sua beleza, de sua vida, só coisas belas e boas (lógico que para isso terá que mentir, mas o que fazer?). Sem olhos para mais ninguém, nem ninfa, nem nada, só se for para desfilar como acompanhante, ele se vangloria desde objetos, poder e/ou imagem. Do outro, ele só precisa que execute seus desejos, assim como as sua necessidades e, ‘- caso isso lhe exaure, se retire de cena, não me incomode com reclamações’. Vive cercado de subalternos que o admiram (a mentira vem de todo lado), baba ovos e puxa-sacos, ‘hipnotizados’ pela sua estonteante ‘perfeição’. Os belos mitos são gananciosos, não aceitam perder o poder, mas… ainda possuem algum carisma e certo charme.

PONTO 8 – ‘O ENRUSTIDO

É aquele sujeito que vemos ali, bebendo, naquela mesa do canto, em plena festa, irritado porque ninguém lhe dá atenção. Sim. ele é um narcisista ainda pior que o vaidoso. Ocupando o ‘8’ na régua eu o chamo de ‘o enrustido‘ porque é introvertido, inseguro (vejam só, pode até ser confundido com um submisso), tem baixo autoestima e por isso tende a ser invejoso. Entretanto, são passivos, não agridem, mas podem ferir só com o pensamento e comentários maldosos. Um ferimento covarde, tipo uma bala perdida que sempre vai ter você como alvo, sem você saber.

PONTO 10 – ‘O NARCICÓTICO TIRANO

Chegamos ao pior estágio de narcisismo, o mais doentio, ocupando o ponto ’10’ na régua. Estamos falando daquele individuo arrogante, tóxico, que humilha, pisa e faz qualquer coisa, das mais estapafúrdias, só para derrubar o outro se este ameaçar, ou mesmo, somente negar ou falar mal do seu poder. Afinal para ele, é a única coisa que existe e importa na vida, fora isso, só ele e Deus (que está um tantinho, pouca coisa, acima dele). Não se submete a nada, nem a ninguém, seja mãe, pai, mulher, autoridade, sócio, chefe, nada! Só ao poder! Não divide nada com ninguém (talvez, filhos, isso se forem iguais a ele), nem mesmo se a lei mandar, aí que piora mais, pois detestam outras autoridades que não sejam eles, a máxima! Também não aceita que lhe ‘joguem’ responsabilidades, mesmo que seja comprovadamente o responsável. É um centralizador, ninguém pode aparecer mais do que ele, é possessivo (experimente sentar em sua cadeira, mesmo que você seja uma criança de cinco anos, vai ter que se retirar!). Passar seu lugar para o outro? Nem morto! Agora, ‘cá para nós’. quando o bicho pega, ele é o primeiro que, para não encarar o erro, fugirá antes de todos.

É isso, uma maneira simples que a especialista me explicou e eu nunca mais esqueci. Um meio de compreender um pouco mais sobre essa rede de manipuladores, pois tanto um lado como o outro, submissos e narcisistas, utilizam a manipulação como ferramenta para conseguir o que querem.

Diante disso, entre viver entre eles e não termos esse dissabor, vale a dica:

Evite se afastar muito do equilíbrio,

‘orai e vigiai, simplesmente, é isso,

As rédeas nas mãos é o seu autoconhecimento (meditação ajuda muito)

Não tenha ódio, mas, se possível, se afaste dos manipuladores,

assista-os como um filme,

olhe o cenário,

conheça os personagens,

mas depois, levante-se, vire as costas

e saia do cinema

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