Caramelo

Iremos, para o resto de nossas vidas queimar nossos neurônios para entender as razões de uma tragédia de tamanha proporção causada por um fenômeno da natureza, símbolo de beleza e harmonia. O que nada combina com essa dor coletiva. Tantas criaturas inocentes, outras nem tanto, outras supostamente culpadas, estarem, de repente, envolvidas num mesmo drama e dor que nos parece injusto demais.

De uma hora para outra, milhares de pessoas ficam sem nada, totalmente desabrigadas de suas realidades e sonhos e, hoje, buscam apenas terem suas vidas salvas.

Em meio a tanta dor e água um helicóptero sobrevoa a região e avista, lá em baixo, um cavalo, É inacreditável vê-lo ali, imóvel, de pé, tentando se equilibrar em cima da cumeeira de um telhado. Caramelo, assustado, exausto.

No Rio Grande do Sul, o cavalo é mais que um meio de transporte e de trabalho. É um símbolo da cultura na região. E aquele cavalo, ali, se equilibrando, tentando sobreviver à catástrofe permanecerá na história do povo gaúcho como um símbolo necessário para levantar a moral e disseminar coragem para se seguir em frente de cabeça erguida, apesar de tanta dor.

Mas afinal, haverá ainda maior significado em Caramelo, ou apenas ficará como um símbolo regional?

Decidi ir em busca do arquétipo do animal, especificamente o do cavalo:

“O arquétipo do cavalo traz consigo significados opostos, carregando uma totalidade, como por exemplo, ser ao mesmo tempo, o mensageiro da morte, ou aquele que carrega o sol e o nascer do dia (ou da vida)“.

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Desde a antiguidade, o cavalo é considerado o arquétipo que tem maior espiritualidade no seu sentido mais profundo. Seu diferencial é a capacidade de atingir o inconsciente coletivo, dando mais poder e potência à dicotomia entre a vida e a morte e uma conexão profunda entre o ser humano e o animal. Por isso, o conflito entre os dois, simboliza a morte, enquanto o equilíbrio traz harmonia e uma vida feliz.

Assim como ocorre com os outros arquétipos, o cavalo requer muitos cuidados em sua utilização porque o “seu lado sombra pode vir a despertar em nós um lado indesejado, trazendo grandes prejuízos”.

Parece que isso já nos trouxe mais explicações, mas o cérebro ainda exige respostas mais concretas, menos baseadas em simbolismos, mais fatos empíricos, mais ciências exatas, aquelas que não admitem falhas, caso contrário, inequivocamente trarão consequências trágicas. É exatamente isso que nos explica nessa entrevista ao IHU, Instituto Humanitas Unisinos, o professor Heverton Lacerda, da Universidade de São Leopoldo, Rio Grande do Sul:

Os alertas climáticos não foram levados a sério, as ações de mitigação não foram implementadas e a região está presa a um modelo de concentração da riqueza e destruição ecológica que prometia desenvolvimento mas trouxe catástrofe. À medida que progride a desnudação das montanhas, das cabeceiras e margens dos rios, à medida que desaparecem os últimos banhados, outros grandes moderadores do ciclo hídrico, a paisagem mais e mais se aproxima da situação de deserto, os rios se tornam mais barrentos e mais irregulares. Onde havia um fluxo regular, alternam-se então estiagens e inundações catastróficas.”

E completa:

“Fica evidente que sim, tanto o Estado quanto as administrações dos municípios atingidos não trataram do assunto com a seriedade que as comunidades merecem e que a situação exige, subestimando o conhecimento científico e os alertas climáticos (mais amplos que os meteorológicos). E hoje estão perdidos e não sabem como agir”

IHU – Instituto Humanitas, da Universidade de São Leopoldo, do RS.

Na síntese, concluo então que Caramelo, ali, imobilizado por aquele drama, se tiver que representar algo nessa história será o firme propósito de alertar o nosso consciente coletivo, para que, de uma vez por todas, busquemos nos harmonizar com a natureza.

O que falta para nós para percebermos que a natureza reage aos atos que a violentam assim como faríamos em igual situação? Não há nada que contenha a ordem instintiva, universal, da sobrevivência de qualquer espécie.

Por isso, ao invés de olharmos para a imagem de Caramelo apenas como símbolo de bravura e esperança de um povo regional, comecemos a praticar a humildade de considerar as falhas cometidas na região, para que possamos, como uma nação unida, e se ainda houver tempo, corrigirmos nossa visão do mundo, e aí, sim, irmos em busca da riqueza, sem no entanto, mexer com o lado sombrio da natureza.

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