War

Anos 70. Sem celular, sem internet, apenas praia. Ali estava um local ideal para passar as férias escolares e quase todos os fins-de-semana evitando maiores gastos com a garotada em uma cidade grande. Sem maiores atrativos, bastava aos pais trazer no banco de trás do Monza alguns anexos, tais como primos, colegas e, claro, jogos de tabuleiro.

O Verão era feito exclusivamente de praia e bicicleta, o dia inteiro, e à noite, não havia trégua, o calor continuava intenso. Seis da tarde, após fechar as janelas na correria, e em tempo de bloquear os mosquitos, o jeito era ir caminhar na avenida principal, chão de terra batida, na orla, iluminada apenas pela lua. Objetivo, ir até o fim, voltar e fugir dos mosquitos.

No inverno, a coisa mudava um pouco de figura. Ás tardes, na beira da praia, já eram mais frias e havia muito vento. A concentração então se fazia na sala e… em volta de um jogo de tabuleiro.

Na época, a ‘sensação’ era o War, acabado de chegar às lojas, deixando o Banco Imobiliário para trás, como hoje acontece com os consoles e iPhones em sequencial descarte. Eram horas e horas de plano de combate que garantia o sossego dos adultos por algumas horas, primeiro, por não precisarem lidar com o nosso tédio ou, ainda algo pior, uma arrasadora ‘black friday’ na geladeira.

O jogo só podia comportar até seis jogadores, o que gerava revezamento, mas era um tempo em que o tempo não existia, não passava, e se passava a gente nem dava por isso.

Em meio às jogadas, tinha os bons jogadores, os persistentes, que se mantinham até o fim, os impacientes, os indolentes, os que pediam para sair, os raivosos, os irados e os que não sabiam perder, virando literalmente o jogo.

Aí vai o verdadeiro intento deste texto. Esses jovens hoje se tornaram adultos, alguns se mantiveram em contato, mas o interessante é perceber o quanto que seus comportamentos nos jogos de então, na maioria dos casos, permaneceu o mesmo. Pena que na época poucos eram os pais que atentavam para isso.

Atualmente, há muitos estudos quanto ao comportamento e a psique humana. Mas, é nessas horas, de um inocente jogo, que a observância dos adultos se faz importante, pois ali já se descreverá o provável comportamento de um adulto. Os novos pais talvez, hoje, não têm sequer esta oportunidade porque seus filhos jogam num quarto, sozinhos, ou com alguém que nem é propriamente um outro, mas um personagem, do outro lado de uma tela, que joga com seu filho, que também não é ele próprio, que, aliás pode nem mais saber quem é… algo assustadoramente anônimo.

Das regras do War, me lembro, recebíamos um objetivo sorteado e secreto, juntamente com um número de cartas (os territórios) irmanamente repartidos. Cada jogador distribuía seus exércitos no tabuleiro mediante o seu objetivo. As regras eram claras: a distribuição dos exércitos devia ser compatível, pois só se podia colocar a metade do número de territórios ocupados (acho que para não haver um ataque maciço) e a quantidade de exércitos de ataque jamais podia ser maior que os de ocupação do outro lado, os ‘habitantes’, porque estes não podiam ser atacados.

É um jargão dizer, mas ‘a vida é efetivamente uma batalha‘, há muitos jogos de interesses, pessoais e coletivos, econômicos e sociais, em um micro ou em um macro tabuleiro, mas, no jogo da vida, as regras terão que vir mais da consciência, pois não há propriamente um manual, ou se há, não é respeitado, onde os limites são claros.

Veja como em um simples jogo de tabuleiro, como o War, encontramos regras básicas e claras: 1. Se precisar conquistar algo, nunca ataque alguém mais frágil ou com menos recursos. Isso não é conquista; 2. É necessário respeitar o espaço ocupado que nunca deve ser atacado; 3. Em caso de empate, sem uma conclusão a curto prazo, vencerá sempre: a defesa. É tudo bem claro, afinal é uma disputa, não um extermínio.

Diante disso, percebi que o mundo precisa aprender a jogar de novo,

a verdadeira luta está em se manter coerente a limites e regras e…

é jogando, que se constrói, ou se revela, o caráter de um povo,

de um indivíduo ou de uma nação.

2 comentários em “War”

  1. voce me levou para o passado com uma descricao perfeita de todos os detalhes preciosos que voce guarda geniosamente em sua memoria e que interessante analogia com o War e a Vida, o aprendizado de saber perder ou ganhar com Etica e Moral nesse jogo que e a Vida , Adorei!

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