Tem algo diferente?

Há tanta ferrugem nessa existência massificada que descobrir após meio ano de vida, se longa, que se perdeu tempo, acontece. Já são poucos os que atinam que pegaram um bonde errado com um chapéu alheio. Muitos partem sem jamais terem vindo. Portanto, o atraso, na pior das hipóteses, é o de menos.

Revirar o jogo e a ampulheta do tempo é impossível, mas vale aprender a brincar com as ferramentas que se conquistou. Num jogo meio escondido, meio solitário. Ficaram algumas peças na mão, aquelas que se comeu do tabuleiro da vida e que, finalmente, com alguma liberdade, longe dos olhares, inventar algum jogo seu. Mas não era para ser assim.

Essa reviravolta tinha que ser antes, se a educação banal, o emprego formal e tal não crescesse junto com a gente, atropelando o processo criativo e nos fazendo perder inclusive o auge. Nessa altura da vida, ela tinha que estar afiada como o sangue borbulhante, atrevido, numa circulação frenética entre nossos ossos erguidos, mais eretos do que nunca. Tudo se movendo. Tudo acompanhando tudo. Membros, cabeça, emoções, sentimentos, tudo aprendendo, tudo fazendo, tudo ao seu dispor, muito para compor. Regras, mas que regras? social, transgressora, humanitária, contestadora, a juventude tem o que os recalcados embarreiram … a possibilidade de mudar.

Portanto, o jogo inventado e que se joga até hoje não tem a menor graça. Porque não era assim. Não era para ser assim o jogo, bastava ouvir a regras da sábia mãe. a da Natureza. Aquela que tudo dá, mas que vê os filhos seguirem seus caminhos, entorpecidos pelo bando, inconscientes. Esse tabuleiro velho, só troca a roupagem. Inventam umas tecnologias, umas cores mais vibrantes, mas é o mesmo de sempre. E o que é pior, não funciona, não faz ganhadores. Com muitas ou poucas peças não há ganhadores. E se perguntarem porque estão jogando este jogo até hoje… “- tem algo diferente?” . Vão dizer sem saber para onde mais olhar.

Não é tão incomum aos 40, 50, 60 ou 70 anos entrar numa faculdade, publicar uma arte, ou simplesmente reinventar, mudar os esquemas, percebendo-se um rasgo de liberdade. Os olhos já não estão se virando para nós, vamos ficando despercebidos, vão afastando o tabuleiro, vamos sendo conduzidos para a beirada… já prestes a cair. Nessa hora essa nuance de liberdade vai aparecendo, uma coisa nova. O corpo físico acompanha a mudança repondo na falta de lucidez a sensação diferente. Quando não tão destruído por traumas, guerras inúteis travadas, a pessoa se recompõe pensando na vida, o que dela fez. Lembra mais do que nunca do passado, da infância… porque foi nela que ele se perdeu. Mas quem é você? ele se pergunta. “- eu era uma criança, mas não sei quem eu era”- Mas não há culpa. Todos passam, passaram pelo mesmo processo. E salvo aqueles que se jogaram em tempo para fora desses tabuleiros e se mantiveram ilesos na marginalidade, sem serem corrompidos por outros jogos sujos e alucinantes, essa é a vida comum.

Deixe um comentário