Há poucos dias, me deparei com um artigo do ex-diretor da Nestlè, Carlos Faccina, enfatizando a atual descrença dos empresários sobre a importância do setor RH como um recurso estratégico na gestão organizacional e em relação aos seus negócios. Me sinto perfeitamente confortável em concordar com ele tanto pelas experiências próprias vividas quanto por relatos gerais de funcionários dos mais diversos tipos de empresas e colegas de profissão.
Apesar de ser uma profissão relativamente nova no mercado de trabalho e que por isso, era de se esperar estar agora em seu apogeu, não avançou muito em estudos filosóficos mais significativos. Alguns pontos interessantes no artigo do ex-diretor me fazem entender porque os cargos de Gerenciamento da área de RH, que tinha à seu favor boas perspectivas e expectativas de atuação estratégica dentro da administração geral, exercendo um papel relevante para alavancar a produtividade, pode ter dado errado. Será que tudo não passou do famoso “sucesso relâmpago”? Talvez seja, tão simples quanto isso, uma das respostas, pois é sabido que qualquer novidade só se mantém viva ao longo do tempo se atuar com base em uma necessidade real. Caso contrário, assim como os astros pops, não se manterá por muito tempo. O ponto de partida para se entender as causas e apatia com relação ao setor se deve principalmente ao fato de que não existiu uma base filosófica suficientemente sólida na sua construção. Faltaram estudos, análises e observações da nossa sociedade atual, respeitando as suas diversidades geográficas, culturais, econômicas e sociais em seu campo de ação, o que a fez se distanciar completamente da realidade e, por isso, das necessidades contemporâneas. As teorias mais sólidas ainda são aquelas de décadas atrás, construídas em países e tempos longínquos. O que se fez foi mudar a vestimenta e adequar uma nova reestruturação, mas o corpo que sustenta a estrutura permaneceu o mesmo, agora ainda mais enfraquecido, velho e distante da atualidade. A raiz que deu origem às teorias humanistas, científicas, administrativas que revolucionaram o sistema na época e, por consequência, toda a sociedade, teve como base e início a observação incessante sobre o terreno à sua volta, desde o trabalho até a sociedade e a economia. Muito estudo e análise de profissionais ligados à área de sociologia e administração.

Hoje o que vemos são, salpicados aqui e ali, alguns experimentos teóricos em algumas empresas modernas, quase sempre em países distantes e, em sua grande maioria, sem conexão com a nossa realidade e sem peso suficiente para formar uma nova concepção que daria origem à novas teorias para as necessidades da sociedade moderna.
Portanto, em resumo e na prática, com exceção do setor Departamento Pessoal, que desde sempre atuou como um setor contábil, com foco na relação contratual empregado/empregador e na legislação trabalhista, junto aos sindicatos, o que se fez foi agregar uma estrutura segmentada, ou como se diz na linguagem própria, subsistemas interligados que no conjunto formaram a ARH – Área de Recursos Humanos, um sistema com operação circular e dentro de um conjunto maior, que é a administração geral da organização. Mas…“quando o objetivo não é claro, a operacionalidade se perde em caminhos desnecessários e começa à haver falha de conexão no sistema até se chegar à ausência de sintonia entre os próprios profissionais da área que repercute em um o corpo da organização gerando a ineficiência e a desconfiança”.
Assim a força no setor se esvai, o conjunto maior, a direção, percebe o ponto frágil e a inoperância e, sem tempo nem dinheiro à perder, toma às rédeas do setor, coloca o espaço à disposição de outros, terceiriza ou evacua a área.
É muito simples perceber isto observando, para começar, a ausência de uma descrição funcional exata para os cargos da ARH. Quer ver? Pare um dia e examine alguns anúncios de vaga para o setor RH. Claramente você verá a confusão dos próprios empresários na hora de anunciar. Recrutar um profissional para ocupar um cargo na ARH tanto poderá ser para um específico gestor de RH, graduação superior tecnológica bem recente da qual faço parte, como pode ser para um psicólogo, um administrador, ou quem sabe até um advogado que saiba lidar com os problemas trabalhistas, ou apenas um contador que faça as contas certas ou até mesmo qualquer outro profissional que já tenha tido alguma vivência em atividades similares, ou melhor dizendo, “afins”, como aparece constantemente nos anúncios de emprego. Quem sabe, à fim de algo, de se arriscar, de ser experimentado, que talvez possa dar certo. Enfim, o que se busca é um profissional que possa, de forma genérica, lidar com as pessoas e que, ao lado da direção, do financeiro e do marketing desenvolva uma estratégia e um plano de ação conectado aos negócios e que, em simultâneo, faça com que essas pessoas produzam mais, custem menos e, se possível, criem um ambiente de trabalho atraente e harmonioso que, de sobra, conseguirá captar os maiores talentos. Tudo isso sem acidentes. Que esse profissional consiga “enxugar” as despesas sem precisar enxugar lágrimas, aumentando os lucros. Enfim, o RH será um “pau para toda obra” ou será um nada. Não é a toa que os empresários, cuja natureza é imediatista, estão pondo o pé no freio na hora de avaliar se devem, o que devem ou se não devem investir parte do capital da empresa na contratação de profissionais de RH, profissionais indefinidos e, se indefinidos, não muito confiáveis na obtenção de lucros.
Se formos analisar meticulosamente as ações desses profissionais internamente, uma pergunta virá à tona: O que fazem realmente as pessoas que trabalham no RH da empresa, com exceção do DP que mantém sua posição fixa ao lado do financeiro?
Faccina coloca sucintamente em pauta algumas razões, que eu aproveito para estender na análise. As palavras do autor estão em negrito e foram rigorosamente copiadas do artigo.
Ponto 1. Não dominam a linguagem dos negócios – de um modo geral, o vocabulário “exageradamente humano”, soa estranho aos demais colegas, jocosamente, é considerado blá, blá blá. Efetivamente, e já escrevi alguns artigos neste blog à respeito, há uma enorme influência da área da psicologia no RH, o que é previsível, até mesmo por estar na área de humanas, mas não há aqui a hipótese de deixar de lado que o nome “recursos” implica um comprometimento com a produtividade e isto se baseia em números, progressões e tempo. Portanto, seria necessário ter um conteúdo intermediário unindo interesses matemáticos ao desenvolvimento da psique e bem estar humano, Se isso não ocorrer, os opostos irão sempre se combater e acabarão por se anular. O blablablá nada mais é que o distanciamento das linguagens opostas. O choque na comunicação que jamais deveria existir dentro da administração.
Ponto 2. Raramente compreendem ou mesmo participam da elaboração do Orçamento – as veias por onde corre o sangue da Empresa. Uma clara consequência do ponto 1, pois se não há uma linguagem compreensível entre as duas partes, elas acabam não se unindo e descartam-se mutuamente em qualquer ambiente, pois não irão acrescentar nada uma à outra. A partir do momento que se crie uma linha de conexão entre os conhecimentos das partes formando uma base complementar na área de negócios da empresa isso acontecerá naturalmente e aí sim, o RH terá espaço e acrescentará o que falta na compreensão do ponto de vista humano à estratégia da empresa, de forma que todos se entendam. Caso contrário, só será ultrapassado se a empresa tiver a sorte de encontrar um profissional polivalente por natureza, ou seja, que tenha na sua veia humanista um DNA empreendedor e racionalmente matemático. De qualquer modo, isso não é um jogo de sorte e no futuro se faz necessário um preparo adequado à uma nova visão de RH. Um profissional de cunho empresarial, mesmo que voltado para o bem estar e potencial do indivíduo.
Ponto 3. Raramente visitam o mercado – estão distantes dos clientes e consumidores.Tudo acaba por fazer parte de um mesmo processo. Linguagens diferentes, ausência de visão do profissional RH do todo e da sua função nele, normalmente com foco disperso na humanização do ambiente de trabalho e, por fim, a falta de incentivo e abertura para que ele se aproxime mais dos negócios. Desencadeia o abismo entre esse profissional e o cliente externo, já que ele concentra suas atividades apenas no cliente interno. Por esse motivo, vemos muitas vezes a empresa virar uma espécie de clube, recheado de festas, comemorações e ações internas motivacionais, totalmente à margem do foco da organização que acaba por ficar com a impressão de estar em uma área de lazer dentro da empresa sem objetivo que realmente lhe interessa..
Ponto 4. Promovem cursos e treinamento, em sua maioria -”comportamentais”- à exemplo de “construção de lideres”, sem conectarem os conteúdos e seus efeitos sobre os resultados.Escrevi um artigo “treinamento escalonado” que diz tudo o que penso sobre isso…
Ponto 5. Passam a impressão – muitas vezes – de “sindicalistas”, ao defenderem o “pessoal”. Ao se aplicar um atendimento apenas focado no seu cliente interno, o profissional de RH acaba muitas vezes por esquecer o compromisso de equilibrar os interesses, mas sempre com foco na sustentabilidade. Há que se ter bom senso.
Para quem quiser ler o artigo de Claudio Faccina, segue o link abaixo:

Lembrei-me de um texto que li há pouco tempo atrás chamado “Para onde andará o lobo mau da psicologia?” de Eduardo A. Tomanik. O ramo da psicologia mais controverso atualmente (e há bastante tempo) é a área de Recursos Humanos. Seu texto esclarece o motivo por tamanha controvérsia. O desvio das devidas capacidades que poderiam – e muitas vezes não são – ser exercitadas na área, fazem as empresas carecerem de componentes que seriam sanados ideologicamente, motivacionalmente, metodologicamente e criativamente através de uma boa gestão de recursos.
Um caminho longo ainda para ser atravessado nesta área. Seguramente controverso, pois passa pelo crivo de limitação autoimposto pela raça humana. Obrigada pela indicação do livro que irei em busca.