Crônica Avacalhada

É uma história conhecida, passada entre gerações e, certamente, você, que está lendo, já a leu em algum lugar. Eu a trouxe de volta aqui porque toda história contada e passada de boca em boca aumenta sempre um ponto, subtrai uma vírgula, e a razão dessa matemática é que a quero também contar, mas do meu jeito…posso?

Pois bem, Sr. Francisco era um homem simples do povo, trabalhador e muito bom, mas ele andava muito triste e cansado, pois em sua casa estava havendo muito conflito. Era o tempo todo discussão. Ora ele com a mulher, ora ela com os filhos, estes com o pai, ou entre eles, os filhos. Enfim, uma desarmonia completa, muita disputa, muitos lados e interesses contrários.

Certo dia, Francisco ouviu falar de um grande e sábio mestre que vivia no alto de uma montanha. Muitos o conheciam e diziam que ele ajudou muita gente em momentos de aflição, então, Francisco, desesperado, não teve dúvida, decidiu ir procurá-lo. Já dia seguinte, bem cedo, antes de os outros acordarem, saiu de casa e lá foi ele rumo à tal montanha decidido a falar com o tal sujeito mestre.

Subir aquela montanha para Francisco, de tal forma tão já fatigado, tanto por dentro quanto por fora, e, mais ainda por dentro, com o sol a pino, não foi nada fácil. Mas ele não se queixava, afinal, ia apoiado na esperança que levava como bengala, certo de que aquele mestre, tão bem falado, o salvaria. lhe indicaria uma solução.

Finalmente o nosso homem lá chegou. Viu uma casinha simples, mas que parecia não ter falta de nada do que era preciso para viver feliz. Mais à frente, sentado confortavelmente, lá estava o mestre, como se estivesse à espera de Francisco, com um semblante tranquilo, de muita luz e paz.

E Francisco foi se aproximando enquanto se apresentava, como faz um homem simples e de boa educação:

– Com licença, senhor Mestre” – e tirou o chapéu em cumprimento– “me chamo Francisco, moro logo ali, na aldeia ao pé dessa montanha e eu vim lhe pedir ajuda. Não suporto mais a vida que estou vivendo na minha casa nos últimos tempos. É discussão o tempo inteiro. Um puxa para um lado, outro pr’outro, eu mesmo já estou sem paciência e ninguém se entende… Estou a ponto de querer deixar tudo e fugir por aí afora, sumir… mas não posso, senhor Mestre… preciso encontrar uma saída!

O Mestre olhou demoradamente aquele homem, com muita atenção, e depois de refletir um tempo, falou:

– Pois muito bem. O senhor parece um homem bom e de fé. Eu vou lhe ajudar. Mas deve fazer exatamente o que vou lhe dizer: pegue parte das suas economias e compre uma vaca e a coloque dentro de casa. Mas atenção! Tem que ser exatamente como estou lhe dizendo: dentro de casa!…

Sr. Francisco achou aquilo tudo muito estranho, mas quem era ele para argumentar com um homem tão sábio e que ajudou tanta gente, não é?

Em casa…

-Mas que palhaçada é essa Francisco?! Essa vaca dentro de casa!? Você agora enlouqueceu de vez?!! Era só o que me faltava!!

– Calma Berenice, confia em mim. Estou fazendo isso para o nosso bem… só confia...

Só que a coisa não ficou muito bem, aliás, nada bem. A vaca era um estrupício de tão desajeitada e estúpida. Derrubava as coisas, parecia até que tinha tino para escolher as melhores coisas da casa para aniquilar. A mulher brigava com Francisco, mas este tentava lhe acalmar e, no final, ela acabava cedendo. Via que a fé do marido era tão grande que ela até se comovia. “quem sabe essa vaca não tem algo de mágico, sei lá…” dizia ela para ela mesma, mas os problemas continuaram e parecia que iam piorando…

Mestre, sou eu aqui de novo. Parece que não tá resultando não…

– Compreendo, meu filho…. mas tenha fé… já que não está se resolvendo com uma vaca, você vai escolher mais duas e colocar uma em cada cômodo… dentro de casa.

Francisco arregalou os olhos e pensou:.. “- Mas será que ouvi bem? é isso mesmo??!! – Francisco custou a acreditar, mas com os miolos quase esturricados: – “do jeito que a coisa está… mais uma vaca, mais duas, que importa…agora também vou até o fim! – homem determinado era Francisco, não ia desistir e foi montanha abaixo falando pra si mesmo. ” – Mestre é mestre, não há o que duvidar!”

Sei que a história está ficando comprida, mas mais comprido ainda foi o sofrimento daquela pobre família. É que com as três vacas, em pouco tempo, o caos se instalara. Os filhos choravam, gritavam, xingavam. A mulher adoecera de tanto sofrimento. Não tinha força sequer para mandar internar Francisco num hospício, pois agora tinha certeza que ele tinha enlouquecido. O dinheiro foi todo com as vacas e a a comida que já era pouca, as vacas avançaram. Para a família nada sobrava. E quanto mais comiam, mais estragavam. E era merda por todo o lado. Uma catinga que nem te digo. Os outros animaizinhos, mais frágeis da casa, foram todos exterminados, ou por fome, ou porque as vacas eram insaciáveis… um sofrimento inimaginável!

Francisco perdeu a cabeça e, dessa vez, montado na ira, foi, junto com a mulher e os filhos, em passeata, tomar satisfação com o tal mestre. Deixaram as vacas sozinhas em casa (também, que jeito, a família já nem conseguia entrar, pois as vacas já não deixavam). Quando chegaram, Francisco tomou a frente, com os olhos sangrando de ódio e foi logo esbravejando:

– O que VOCÊ (qual mestre qual nada! nem assim mais Francisco o chamava) quer afinal!? Destruir minha família? Minha casa está caindo aos pedaços! Quase em ruínas! Merda pra todo lado! Tudo fede! Estamos ficando doentes! Não temos nem mais comida! As vacas só trouxeram desgraça pra dentro de casa!!

O mestre, baixou a cabeça humildemente…

-É…. parece que foi uma escolha errada. Talvez seja melhor tirar as vacas. O mais rápido possível, antes que elas acabem com a casa.

Francisco bufou… contou até três para não esmurrar o ‘farsante’, mas diante daquela imagem tão pacífica, pegou na mulher e nos filhos e voltou para casa. Antes passou no celeiro, pegou na enxada, sua ferramenta de trabalho, pediu ajuda aos vizinhos e com muito custo conseguiram espantar as três vacas que correram dali pra bem longe, pois nem a carne, nem o leite delas, a família desejava.

No dia seguinte, começaram a arrumar, limpar as porcarias. Os filhos até faltaram a aula para ajudar. Berenice conseguiu uns ingredientes com os vizinhos e preparava uma aromática refeição para todos.

E Francisco… estava consertando as janelas quando parou de repente… parou para assistir aquilo ali à sua frente, pausando os olhos em todo aquele cenário bem devagar. Respirou fundo, soltou um longo suspiro e desabafou mentalmente, reconhecido…

Desculpa mestre, e obrigado….

PS: Este é um conto, e há muito contado. Qualquer analogia a fatos concretos e atuais é por conta da criatividade do autor que é desconhecido.

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