A esta altura me pergunto como o alienista de Machado de Assis, poderia sobreviver hoje e manter sua saúde e capacidade mental intactas para trabalhar com seus experimentos. Como iria conter o tsunami da patologia que ele se propõe a curar e que assola grande parte do mundo, mas especialmente, e neste momento, aqui, nessa terra, que é a sua, digo dele, mas também minha e tua, assim como deles. Terra que nunca foi muito ‘certinha’.
Acredito que Simão Bacamarte não precisaria chegar aos meandres mais detalhistas para descobrir na aparente normalidade em que vivemos os traços de loucura. Nessa altura, nesse momento, nesse país, hoje, o alienista teria que providenciar mais espaço em seu estabelecimento, pois não caberiam todos os loucos, dos mais brandos aos mais acirrados e violentos. Talvez devesse até deixar de fora os que já lá estavam internados, pois hoje diríamos que subiram de patamar, podem viver livremente, são os considerados ‘belezas’ de Raul Seixas.
Vivo neste cenário e não me custa alertar ao personagem doutor, caso pretenda realmente voltar, que de algum tempo vinha pressentindo que alguma coisa não andava bem. Foi desde que começaram com aquela febre de ‘Revival‘, a epidemia dos ‘flash back’, do Vale a Pena Ver de Novo e daqueles clichês das esquinas da burguesia murmuradas entre dentes cerrados…
” – bons tempos eram aqueles!” .
Pois é, talvez já começassem ali a perceber nas escolas, universidades, aeroportos, praias, por todo lado, as novas cores, antes escondidas por nuvens pesadas, dos vários tons de café que um dia exploramos, mas que, finalmente agora se encontravam libertas para gozar o prazer de colher seus merecidos frutos.
Para tratar dessa loucura rançosa, um alienista não basta, nem com toda sua sede de conhecimento. Eu avisaria ao doutor para vir desta vez disfarçado de alienado só para não ser combatido e ameaçado de morte, logo de cara. Venha superficialmente. É assim que terá que agir para ter uma boa convivência nesse país tão dividido, usando como disfarce o que lhes é típico, a hipocrisia, para sobreviver e poder começar o tratamento.
Mas no intuito de ajudar, humildemente, preparei um rascunho para adiantar os serviços do Dr. psiquiatra, hoje especialidade tão requisitada. Tomei a liberdade de me adiantar e dividir os loucos em três tipos, apenas dos casos mais ‘cabeludos’ àqueles que percebo…
O primeiro grupo é daqueles que acreditam piamente que nada é aquilo que é, e que, sim, com certeza, há sempre por trás algo que negará a concretude daquilo que os outros dizem. São vulgarmente conhecidos como ‘negacionistas‘, E se você disser a eles isso, vão negar. Mas se disser que não negam, negarão também, e até irão desconfiar. É que geralmente estão certos que algo os persegue e que esse algo fará algum mau em algum momento, mas que por agora (e desde que o mundo é mundo e o mundo não tem meridianos para eles) o outro lado sempre está conspirando e de todas as formas possíveis, com chips, mamadeiras de peru, vacinas, jacarés, baleias, lula ou comunismo. Para eles, sugiro um tratamento com um certo grau de compaixão e muitíssima paciência. O objetivo é só que passem a conhecer o significado do real, se conectem com o concreto, apreciem ‘provas’. Acredito que esse será o seu ‘divisor de águas’ para que voltem à vida como ela é, esquisita, mas cientificamente provável. Acho que o Dr. Bacamarte receitaria o mesmo e os colocaria no primeiro andar do prédio da clínica, próximo já a saída.
O segundo grupo é dos que sofrem da loucura bilontra, aquela que sorri de lado para não desviar das costas, sempre muito bem guardadas. Os sintomas visíveis é que jamais olham nos olhos e da boca só saem xingamentos, acusações no intuito sempre de desviar a atenção de cima deles. Esse é o tipo que jamais, never-forever rasgam dinheiro, muito pelo contrário. É um olho no mar de Moisés se abrindo e o outro no peixe, melhor ainda, no cardume, com a rede na mão, a mão no bolso, o bolso cheio. cheio de loucura, e a loucura é o verde, o verde do dólar e o amarelo do ouro. O azul é do céu e esse pode esperar, pois as almas se perderam nos subterrâneos da vida e junto com elas foram elas e a empatia, só ficou mesmo foi o dinheiro. Como tratamento, podem ficar no segundo andar. mas em completa abstinência de coisas, matérias, muito menos dinheiro. É pra ver se reencontram também a paz de espírito, aquela que se encontra perdida, algures por lá.
Agora vem os que darão mais trabalho ao doutor. Coloquei esse grupo no terceiro estágio. São, digamos, a pura raça da loucura extremista. São 100% integrais, cascudos, acho que por isso foram batizados no passado como ‘integralistas‘. São os de arrepiar os pelos, principalmente das narinas e dos ouvidos, porque não há como suportar o barulho que fazem, meio corpos, meio máquinas, mas sem cérebros, movidos com o combustível do ódio, pelas ruas ‘bombeados’ e armados para o extermínio. Pura e simplesmente é só isso. Não há mais nada a dizer porque, como expliquei, o cérebro está vazio e também não acho que se possa consertar. Talvez seja um grande desafio para o doutor, mas enquanto não se acha um tratamento, que pode começar com uma desintoxicação da maldade, acredito que estes deverão ser postos bem distantes da saída e com grades grossas circundando as janelas do prédio, tranquilizantes para cavalos, e muita ajuda lá de cima.
Sem mais qualquer intuito de julgamento, tampouco falsa modéstia, vou me esquivando de acrescentar mais coisas. Nem sei se o Doutor virá e se, vindo, dará jeito. Então, para os que acreditam em Karmas e coisas do gênero, é aprender a lidar com isso, deixando passar o tempo para não os encontrar de novo no futuro, o que já é uma boa saída.
E espero que esse futuro possa ser efetivamente conjugado no tempo certo.
Pois eu irei votar sempre numa urna eletrônica, com a tecnologia que mereço e ao lado da ciência, sem me abster da fé, chegando mais perto da Verdade.
Nada do que ficou para trás terá serventia a não ser como alavanca para o presente que está no futuro.
Sim, de volta para o futuro,
E assim será!