A peixaria estava concorrida. Pacientemente, cada um de nós aguardava a sua vez.
“– Estão fresquinhas?” pergunta a senhora, apontando com o dedo para dentro do recipiente quadrado de plástico onde as sardinhas se deixavam entrever prateadas e luminosas realçadas em meio ao gelo picado. E o funcionário atesta que sim acenando a cabeça para baixo.
Acho que cabe dizer que a peixaria ficava dentro do supermercado, que, por sua vez, se situava num shopping, dentro de uma região turística de Portugal, e que também era fim de semana. Tudo isso para dar mais autenticidade ao cenário.
“- Está bem, então, vou levar dois quilos!”
“– O mesmo para mim, se faz favor!
E assim, sucessivamente, cada um ia fazendo seu pedido onde a sardinha era notadamente a espécie mais cotada do dia, apesar de não ser a única. O recipiente branco, apoiado na bancada que se inclinava para os clientes, ia ficando cada vez mais branco à medida que o gelo avançava o espaço da sardinha. Esqueci-me de acrescentar, no parágrafo anterior, que estávamos perto da hora do almoço, hora em que o estômago começa a dar sinais de alarme e qualquer desejo passa a ser motivo de disputa.
Aguardava minha vez conforme a ética sugerida, desmerecendo o uso rudimentar de senhas ou filas, quando, de repente, um homem se aventura, dá um passo à frente e dispara:
“- reserve essas para mim se faz favor” e estava se referindo às últimas sardinhas do tabuleiro.
A minha lógica se incomodou com o imprevisto e racional e educadamente lhe advirto:
“- senhor, ainda não é a sua vez..”
” – sim, mas estou a pedir apenas que reservem para quando chegar minha vez”
“- sim, mas o senhor não sabe se um de nós que está na sua frente, irá pedir o mesmo“
“- mas senhora, que mal há nisso? Estou no meu direito”
“- acredito que não, senhor…”
“Ora essa, pois estou…”
E…
“- mas olhe que não…””
E monótonos argumentos de ambas as partes foram trocados em meio ao silêncio dos outros presentes, pois aqui também vale um detalhamento: é que se há algo característico no povo português é o horror de se meter em qualquer tipo de confusão, mesmo que não tenha chegado a ser este o caso.
E tudo caminhava para o indefinido, numa audiência sem juiz, até que surge lá de dentro ao atravessar uma porta ‘vai e vem’, uma jovem de toquinha e roupa branca, como um anjo inocente, trazendo com ela um grande balde nas mãos que, em segundos, e silenciosamente, despeja uma enorme quantidade de sardinhas por cima daquelas que disputávamos os dois …
…e o silêncio se fez
E assim, fomos, eu e ele, cada um para a sua casa, munidos de sardinhas nas sacolas e algum aprendizado nesta vida entre tantas ‘Sabedorias de Esquina’ :
“quando se disputa muito por alguma coisa, ela acaba não sendo mais de ninguém”
ou…
“…até um relógio parado tem razão duas vezes ao dia”
Kawer