Cobalto-marinho

Se me perguntarem se sonho: ” – pra caramba! sonho muito, mas…de uns tempos para cá só quando estou dormindo”. O quase hipnótico estado de sonhar acordada, olhos no além, coração estrondoso, nuvens cor de rosa e arco-íris… esse estado ‘onírico’ se foi.

Não é que, agora, tudo tem que ser o preto-no-branco e que guardo minhas emoções em tons de cinza, não! Muito pelo contrário, continua tudo colorido, e com cores vivas, vibrantes, menos pastéis do que eram antes.

Mas os sonhos dormindo continuo tendo, são muito mais produtivos e reveladores. São a fonte da descoberta dos nossos mais íntimos e primitivos desejos, recalcados no inconsciente, função essa provada e comprovada por Freud e pela eficácia de sua psicanálise. Bem melhor que o sonho acordado que não serve para nada., cravado de ilusões e perda de tempo, o sonho dormindo só ocupa o tempo vago, e ainda de sobra te manda um recado, além de ser libertário, vaguejante, vagabundo, viajante, é ele que nos tira por algumas horas do aborrecido tédio do tempo acordado.

Bem, se Freud se dedicou a eles, impulsionado pelo seu insucesso com a hipnose, usou o melhor caminho para chegar ao inconsciente… a terra proibida. Uma tremenda tacada de gênio. Os sonhos revelam muito mais de nós do que nossos diários (ou, hoje, self vídeos). Além disso, os sonhos quase não ocupam espaço no nosso armazenamento de memória.

Singelos e infantis, os sonhos vêm como vão, sem licença e, praticamente, sem registro. Vêm com seus representantes, quando muito, deixam um souvenir, um mimo, só para dizer que vieram, ou, quando querem deixar um recado, marca, ou sinal, vêm assustadores ou deslumbrantes, só para mexer contigo, é que quando é assim, geralmente, estão disfarçados para não serem censurados de novo.

Há poucos dias tive um desses, deslumbrantes sonhos. Um encanto..! Não tem outra palavra que o defina. Tão profundo que, apesar de não ter roteiro e ser um curtíssima-metragem, guardei por ele um especial carinho, tanto que agora até o transcrevo.

Não sei dizer em que parte da noite ou madrugada ele veio, mas de manhã, quando acordei, fiquei com aquela imagem na cabeça. A primeira coisa que fiz foi, claro, botar as lentes, sem elas não vejo nada, para depois pesquisar ‘aquele’ azul, um misto de cor com beleza física e sentimento, um azul cheio, aveludado, de um inigualável tom e nuances entre o cobalto e o marinho (que só conheci os nomes graças ao Google) e que deu origem a esse título.

O cenário do sonho era a praia, usei o artigo definido porque era ‘a’ de Piratininga, onde meus pais tiveram casa de veraneio e onde passávamos todas as férias de verão. Bem, eu estava passando pela praia, não havia ainda calçadão, nem prédios (que hoje tem), nem mesmo casas, aliás, não tinha nada, nem gente. Só mato e…gaivotas!! E, eram muitas delas!! A areia cheia de gaivotas, reunidas num enorme bando, algumas voando, dispersas, enquanto a maioria estava ali, pousadas para a reunião.

Continuei minha caminhada, pela orla da praia, não estava na areia, estava mais acima. O mar tinha pequenas ondas e no céu poucas nuvens. Praia deserta, achei curiosa aquela aglomeração de gaivotas, mas resolvi ir para casa. Nossa casa de Piratininga, tinha, como no sonho, dois andares, com uma varanda no segundo piso, mas que dava para a rua, só que no sonho, eu estava na varanda, e ela dava para o mar. Só que o mar, era alto-mar e estava muito próximo, a ponto de não se conseguir sequer ver o céu, era tudo mar. Distava de mim a um pouco mais que o comprimento do meu braço.

Vou tentar, mas vai ser difícil passar aqui, por escrito, o que era aquele mar, porque o que mais me impressionou nesse sonho foi a sua beleza e ‘consistência’. Não havia ondas, apenas umas poucas marolas gordas, que nem faziam espuma. Já a descrevi antes, mas o mais próximo que encontrei da sua inesquecível cor foi a dessa imagem do post, mas que, mesmo assim, não é igual.

Esse mar, silencioso, aconchegante, não parecia nem um pouco ameaçador e eu olhava para ele, da varanda, tranquila. Mas havia um muro entre nós e eu sentia que o volume d’água era tanto que iria, pouco a pouco, transbordar por cima do muro, que era o da casa, cheguei a pensar: “- ainda bem que estou aqui em cima, mas talvez seja melhor descer, antes que ele inunde o primeiro andar e eu não possa sair mais”.

E…

Foi só!

Sonho quase todas as noites, mas raramente falo sobre eles, primeiro, porque, ao menos que você seja um analista, não há nada mais ‘sacal’ que ouvir sonhos dos outros, um troço sem pé nem cabeça, que só mesmo Freud para descobrir nele o sentido. Segundo, porque a nossa mente, está sempre muito ocupada com preocupações, pensamentos, etc. e quando, no sonho, ela vagueia, vira ‘a louca’, parece que vai desafogar, tirar a mãe da forca, escoar toda carga de seriedade e preocupação. Diz para si: ” – agora é a tua hora, vai! Faz o que você quer e não consegue, vai de verdade, canta, caminha, chora, esperneia, trepa, transa, brinca, até voa, se quiser! Bota para fora os seus mais secretos desejos, estão aí, agora, à sua disposição… aproveite, porque a censura dorme e amanhã você esquece! ”, e aí, vem a vergonha de contar…

Penso que seja, porque a mente, com tantos circuitos e neurônios funcionando ao mesmo tempo, inundados por toda espécie de química, quando estamos acordados, fica muito distante dos pés, ali fincados naquele espaço de terra, tentando entender a vida, mas me diga, como poderia? Com os dois pés agarrados ali naquele pedacinho de chão? Já, dormindo, deitados, pés na altura da mente, não tem meios de a segurar, vão os dois juntos por aí, sabe-se lá onde… a mente vagueia, vagabundeia, vadia, solta na vida, nessa ou em outra, mistura recordações com sentimentos, embola incônscio com cônscio, desejo com censura, vice-versa ao contrário, passeia pela sombra, se depara com a luz, entra fatídica, volta surreal, numa espécie de pintura de Dali.

Por isso é sempre bom anotar os sonhos. Esse aqui, ficou anotado. Não tem melhor lugar para ele do que em minha ‘távola’ de escrever. Os outros, não sei. Geralmente são como vaselina, escorregadios, fogem assim que abro os olhos. Nem dá tempo de pegar uma caneta, muito menos o enredo, pelo menos um detalhe, um mimo qualquer, mas eles são como relâmpagos. Já pensei em fazer uma armadilha com aquele ‘apanhador de sonhos’, o investimento é pequeno, mesmo que não dê certo (porque também não acredito) é uma chance…

E, assim, chega ao fim a nossa aventura onírica, talvez haja uma próxima, a vida é assim, imprevisível, como os sonhos são. Mas morrem com a gente, enquanto estamos por aqui, e sempre vem para nos trazer algo que nos ajudar a viver.

Bons sonhos inesquecíveis!

Deixe um comentário