Evanilde…

“Eva coava… o café que Adão tomava”. Minha mãe repetia este refrão da música algumas vezes enquanto Evanilde, a Eva, ria, dizendo ” – Ah Dona Edda, você é tão engraçada!” e assim, entre idas e vindas à casa de minha mãe, acabamos por fazer amizade.

Psicóloga, formada há muitos anos atrás, Eva só passou a exercer a profissão depois de se aposentar como funcionária pública. Mais velha que eu cinco anos, ariana típica, estava sempre cheia de programações, se matriculando em tudo quanto fosse cursos e aulas que as pessoas falavam e que diziam ser divertido fazer…

Os encontros na academia se tornaram constantes já que o apartamento da Eva era muito próximo do meu. Quando isso acontecia, íamos às vezes até a zona sul caminhar pelo calçadão, ou mesmo pegar uma praia e ai de mim se não aceitasse o convite…

” – Mas por que? Você não gosta de mim?”

– Não, Eva, claro que não é isso, é que não tinha me programado de ir à praia hoje”

” – Ah, mas vamos! É bom pegar um sol, dizem que faz bem para…” e o enredo era grande até conseguir me convencer.

“- Ok! tá bom, eu vou…”

Chegando no calçadão vinham as mudanças de plano. Era ora ver a feira de artesanato na praça, ora sentar para almoçar mesmo que fosse ainda cedo ” – a gente pede só um chopp, ah, você não bebe, então, um suco, lá tem umas coisas deliciosas…” , ou simplesmente, ” – Vamos para outra praia?…. Enfim, os desvios eram tantos quanto fossem possíveis de caber naquele cérebro ardente de mil e uma aventuras típicas de uma ariana. E, sempre junto, as tentativas de me convencer, quase sempre vitoriosas, até que chegassem ao meu ponto limite.

“- Não Eva, dessa vez não! Tínhamos combinado só uma caminhada… mas se você quiser ir, eu continuo minha caminhada e te espero na saída do metrô, não tem problema”.

” – Poxa, ta bom… pensei que você fosse gostar, mas sabe… até que eu gosto desse teu jeito de dizer não, acho que você tem muita personalidade… “

” – E eu acho que você está tentando me persuadir usando agora a tatica de me agradar… “

e Eva ria, ” – Ai kkkk, você é demais!

Assim fizemos essa amizade meio lá e cá, por vezes eu sentia que ela me puxava demais, às vezes sentia que no final ela me fazia um grande bem de me puxar. Mas fato é que fomos nos conhecendo de forma peculiar.

Por vezes ela me convidava para tomar um café na praça, precisava falar comigo, era para desabafar que estava insegura com as suas pacientes e me contava algumas coisas superficiais como quando desmarcavam a consulta… Mas eu dizia que ela não se preocupasse, pois ela tinha o principal, o desejo de ajudar as pessoas, mas que também não levasse o caso para a amizade, que não misturasse as coisas.

Algumas vezes parecia que Eva me lia: ” – Acho que você tem tanto jeito para analisar as coisas… porque não faz uma formação do gênero, um curso de terapeuta, psicóloga? Na verdade, neste dia, antes mesmo de ela me sugerir isso, eu já tinha me matriculado na formação psicanalítica. Não havia lhe dito nada e continuei sem lhe dizer porque sempre que eu dizia que ia fazer alguma coisa ela se matriculava também, mesmo com a vida bem enrolada… e ia me prender a seus horários… ” – vamos juntas?”

Só uma coisa ela não gostava, era de cozinhar! Só usava congelados ou pegava comida na casa da mãe. Uma vez me convidou para jantar na casa dela. na condição de que eu lhe ensinasse a fazer caldo verde e claro que no final eu fiz sozinha. Foi uma única vez, porque Eva é daquele tipo de pessoa que quer estar em todos os lugares ao mesmo tempo… menos em casa,

Mas só que agora…

Ela se foi, definitivamente…

E isso é estranho.

Um acidente estúpido. Um atropelamento no dia das mães, mês passado, quando Eva foi pegar um prato de rabada na casa de sua mãe, de 97 anos. Eva havia encomendado e foi buscar enquanto o filho lhe aguardava em casa para almoçarem juntos. Atravessando na faixa, uma motorista que havia avançado o sinal deu uma ré com força e a atropelou.

A lesão cerebral foi enorme e lhe deixou em coma profunda até que hoje, acabei de receber a notícia que Eva faleceu.

Sabia que não tinha como ela escapar e retomar sua vida agitada. Se sobrevivesse teria graves limitações e sequelas, praticamente ficaria vegetativa. Seria para ela uma morte em vida. E, agora, não sei o que dizer. Dessa vez não tenho explicações, palavras. O único meio de fazer algo de mim para ela é lhe fixar aqui no blog, neste meu espaço íntimo e discreto, como ela dizia que eu era.

Sentirei saudade dessa amizade dispar e, de resto, só peço que ela encontre muita coisa para fazer por lá, do jeito que ela gosta, sem precisar cozinhar.

Me despeço te ti amiga, com mais vontade de terminar o curso seguindo teu incentivo e intuição, pois o havia pausado você sabe porque…

Um adeus caloroso, apesar de triste,

e um até qualquer dia.

Fique em paz!

Kawer

1 comentário em “Evanilde…”

Deixe um comentário